quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Lidar com o cancro


Deixei de saber confortar as pessoas com cancro. Olham para mim e esperam que possa dar esperança, porque já passei por isso. Mas eu sou demasiado transparente e não me peçam para não ser franca, dizer a verdade dura e crua porque afinal esta é uma doença que não pede licença ou que tem boas maneiras.

Vejo pessoas desesperadas com esta doença (nelas ou familiares) e remeto-me ao silêncio. Não quero mentir. Seria uma afronta a quem já passou por todas as dores físicas e psicológicas dessa doença. Seria minimizar a morte de milhares de pessoas. Não sou pessimista. Sou realista. Vivi com a doença pouco tempo mas estava logo ali no quarto ao lado. Foram familiares, foi o meu pai, são ainda pessoas muito queridas. Para falar teria que dizer que vão sofrer, que se vão revoltar, querer deitar tudo a perder, maldizer tudo e todos. Que vão decidir lutar porque é o que faz todo o ser humano, mas a doença vai-os transformar num verme que se contorce de dores. E que não se pode ficar demasiado feliz com melhorias, porque o pior vem sempre a seguir. Depois de cada vitória, vem uma queda ainda maior. Querem-me ouvir dizer que tudo vai correr bem? Não, não vai. Até pode acabar bem, mas correr não vai: vão ser tratamentos, horas de angústia e de espera, etc. O mais injusto e irónico? É que esta puta de doença até não mata, se virmos bem. Destrói-nos por dentro e morremos de insuficiência cardíaca, AVC, falência deste ou outro órgão vital. 

Este post deveria ser banido porque é demasiado derrotista para quem lida com a doença? Até pode ser, mas já aprendi que só com um murro bem forte e sabendo a verdade é que as pessoas conseguem seguir em frente... e também sei como reagi às palavras de «tudo vai correr bem» quando já estamos na merda até ao pescoço.

Por isso, ontem quando me pediram em nome da empresa nossa cliente de fazer uma carta para animar um colaborador em fase terminal que está nos cuidados paliativos, dizê-lo que estão à sua espera, que tudo está bem quando já foi anunciada uma sentença de morte, recusei-me e pus a minha cabeça a prémio. A minha ética acima de tudo. 

21 comentários:

Unknown disse...

essa é a verdade...esse filho da p*** destroi a cada dia que passa, destroi a pessoa que o tem e quem está a sua volta..destoi as nossas esperanças de acreditar que tudo vai ser diferente e por vezes esconde-se/adormece para voltar com mais força ainda, para destuir ainda mais.

consome cada milimetro do nosso corpo e nem pede licença...


tira-nos tudo...chega a tirar a capacidade que temos de nos recordar...ao meu pai, tirou lhe a memória, o meu pai morreu sem se lembrar quem eu era...e doi, doi muito.

é como dizes...não traz nada de bom, e se temos alguns casos ocm finais felizes, na sua maioria acaba num cemiterio...e no caixão esta alguem que amamos.

Catarina




www.olhostristes-kikas.blogspot.com

teardrop disse...

Fizeste bem. Em fase terminal o que haverá para dizer? Não podemoz dizer: estamos à sua espera... Podemos apenas desejar que a pessoa não tenha dores, que não sofra ainda mais :(
A minha irmã é técnica de radioterapia e é com ela que tenho aprendido bastante sobre como lidar com essas situações.
Perdi um amigo com 17 anos porque demoraram anos até diagnosticar o cancro, foi há mais de 10 anos e os médicos nunca pensavam em cancro, muito menos num jovem com 14 anos.

Mami ( Sónia ) disse...

Se vai contra aquilo em que acreditas acho que fizeste muito bem. Felizmente nunca tive de lidar de perto com esse maldito, mas imagino que não seja nada mas mesmo nada fácil passar por tudo o que isso implica.
Parabéns por seres fiel a ti mesma.

Bailarina disse...

Nem tenho palavras...

Li disse...

Dina,
Senti cada palavra tua e não posso deixar de dizer que concordo contigo a 100%.

Talvez apenas com um senãozito mas que continua a concordar contigo: por vezes e felizmente tem cura e tudo corre bem.
Na maior parte das vezes isso não acontece.
Na maior parte das vezes as pessoas passam demasiado tempo a enganar-se a si próprias de que vai correr bem e não conseguem aproveitar o tempo que resta. Talvez porque não conseguem aceitar a dor.
Seja como for, a vida é mesmo assim, e por muito injusto que seja por vezes o desaparecimento de alguém (neste caso o meu pai), faz parte da nossa vida. Não se consegue explicar.

Mas não se sabe viver com esse realismo. A maioria não sabe... e não quer... porque é mais fácil viver na ilusão que no sofrimento...

E tu, que defendeste o que acreditas, parabéns! Isso requer coragem

Cate disse...

A minha mãe já sobreviveu a dois cancros. O segundo foi pior, envolveu muita quimio, queda de cabelo, enjoos, ums sofrimento horrivel. É uma lutadora nata, mas calculo que se não nos tivesse ao lado dela (a mim, ao meu pai, aos nossos amigos e familiares), provavelmente até teria desistido.

Acho que não faz mal darmos alguma esperança às pessoas. Muitas delas precisam disso, precisam de se saber queridas, precisam de saber que há alguém que torce por elas. Só para sentirem que, mesmo sem solução, pelo menos terá valido a pena lutarem.

Cate disse...

(O que não invalida achar bem que te mantenhas fiel aos teus princípios!)

Filipe disse...

A morte é sempre vivida de forma diferente por cada um de nós. Provavelmente preferimos não pensar mt nela e isso adensa a sensação de eternidade.
A vida é o q é... e a morte é o que nos resta, e quanto a isso não há muito a fazer.
No que toca à doença... cada um vive-a da sua maneira, do jeito que a sua personalidade permite e mediante a familia e amigos que tem. Chega sempre um momento que, mais importante que viver ou morrer, está o sofrimento. Nada nem ninguem poderá amenizar o sofrimento fisico e psicologico que a doença causa.
No fundo todos queremos ter boas palavras para quem padece e sofre desta ou daquela doença... mas, todos sabemos que são meras palavras... valem o que vale, mas têm sempre o valor de um sorriso. Será essa a melhor moeda de troca! (mesmo que conscientemente quem fale e quem escute saiba que todas aquelas palavras são mera ilusão).
Relativamente ao pedido que te fizeram, apenas digo que, não é por acaso que recorrem essencialmente às pessoas cujos os casos foram vencedores para dar o seu testemunho.
Todo o mundo ilude todo o mundo... e criticamos isso com maior ou menor intensidade. Curiosamente, achamos razoavel que no final das nossas vidas, todas essas ilusoes são validas...
Como disse, a vida é o que é, e a morte é tudo o que nos resta. Não ha cá derrotismo nem vencedores... os "herois" existem... maioria deles por nada de extraordinário, apenas porque foram importantes e significativos para cada um de nós naquelas coisas mais banais.

Filipa disse...

sneti cada bocadinho teu... nao sei estar na pele de quem se corroi com dores... mas sei o que é estar ao lado dessa pessoa... ver o brilho nos olhos de que amanha vai ser diferente e amanha vou estar melhor... quando é puramente o contrario...e uma semana horrivel... e quando se fica bem vem outra dose pra acabar com ela... e ao mesmo tempo dar-lhe um outro sopro de esperança... é um vicio...é um jogo... que o cancro faz com o nosso corpo... parece que se ri de nos, a cada tratamento que o tentamos matar... enfim... doi tanto lembrar... mas é verdade so mesmo com esse soco no estomago é que enfrentamos os problemas... :)

ainda que tu ficaste bem.

beijo grande querida.

Gelatina de morango disse...

Forte, arrepiante, triste, mas verdadeiro...infelizmente =(.

Eu* disse...

Eu fiquei simplesmente sem palavras:$

onixa disse...

Não é fácil, principalmente porque eu nunca sei que palavras utilizar e como reconfortar alguém numa situação destas! Mas a verdade, não passa disso, é aquilo que temos na realidade! E por mais que nos iludamos, não podemos fugir dela. Gostei do post! Beijinhos ;)

a Gaja disse...

Compreendo perfeitamente o que estás a passar. O cancro também já levou uma pessoa muito querida e muito próxima que me trouxe traumas até ao resto da vida. Hoje ainda não sei lidar bem com o assunto e já passaram quase 18 anos desde a minha perda e ainda não consigo lidar com essa situação. Normalmente afasto-me, isolo-me, evito falar sobre isso porque dói demais.

Myself disse...

Acho que agiste bem. Ás vezes é preciso enfrentar a dura realidade, para se conseguir viver o tempo restante com alguma dignidade. Mas infelizmente essa constante fuga da verdade começa logo nos consultórios médicos. Eu já estive ao lado do meu pai (agora está bem após as cirurgias), e não é fácil sequer perguntar o que vai acontecer, e se os médicos não contam e explicam o que se vai passar, os próprios doentes também não perguntam.
Bjinho

Fio Norte disse...

Fique sem palavras...sabes que mais? um beijinho...

Tany disse...

Grande atitude que tomaste. És umas pessoa de coragem. Bjs*

La Boheme disse...

Acho que tiveste uma atitude muito nobre apesar de à primeira vista escrever a carta é que parecesse o mais solidário. Quando as pessoas estão assim as desilusões sucedem-se por si em cada nova conversa com o médico não precisam que do exterior lhes dêem falsas esperanças, que se a pessoa estiver bem ciente da sua condição ainda a fará sofrer mais.

Bom fim-de-semama

Rita disse...

Felizmente, nunca vi o cancro de perto. Mas conheço muitas histórias. E é muito dificil falar sobre o assunto. Ainda bem que o fizes-te. *

LoVE disse...

Mantém-te forte... não digo que um dia vais mudar de opinião, mas agora ainda tens tudo muito fresco...
Mais tarde poderás ver as coisas de uma forma mais optimista...
Beijinho

Ana Lúcia disse...

Sei e também já vivi na pele o que é perder alguém que amamos devido a essa maldita doença, por isso, e preferia n saber, mas sei muito bem o que isso é. Acompanhei a luta de uma prima muito querida por mim face a 3 cancros!!!! sim, três, e um deles na coluna e por isso os médicos deram lhe logo a sentença de morte! acham que desistiu? não, não desistiu e sobreviveu a esse tumor e teve mais uns anos connosco. infelizmente acabou por sucumbir ao terceiro, mas para mim a luta dela e a morte dela não foi em vão, acredito que ela passou por tudo aquilo para nos poder ensinar qlq coisa a nós! Mais recentemente voltei a passar por tudo isto com o meu namorado, e permite-me discordar um pouco de ti, mas acho super importante mostrarmos às pessoas que passam por isto que a cura é possivel. Claro que numa fase terminal é diferente, mas podemos sempre dar calor aquela pessoa, mostrar lhe como foi importante para nós e e para as pessoas que o rodeiam, para que a pessoa possa estar em paz. Vi morrer muita gente, muitos companheiros de luta do meu namorado, acham que não tremo quando sei que mais alguém teve um fim!? sim, tremo e muito e fico apoderada de medo, mas continuo acreditar que isto passou e não vai voltar....tenho que acreditar, se ainda não for então estou desde já perdida! Compreendo a tua revolta, a tua raiva...também senti isso, mas à que saber tirar partido de tudo isto, e acreditem que isso é possivel! beijinhos

ladybug disse...

Estou a viver uma história assim, alguém que me é muito querido está a viver o cancro,,, mas decidiu afastar-se de mim. Não sei se é por efectivamente me querer longe, se é por estar revoltado.
Não sei o que fazer, preciso de alguém que me oriente pf.